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40 anos da Lei da Ação Civil Pública

24 / 07 / 25

A Lei da Ação Civil Pública (LACP) foi introduzida no sistema jurídico brasileiro pela Lei nº 7.347/85, completando nesta quinta-feira (24), quarenta anos de vigência e constituindo-se como um dos principais instrumentos jurídicos para tratamento das questões sociais, políticas e econômicas do ordenamento jurídico contemporâneo.  

O processo brasileiro, durante muito tempo, prevaleceu com uma concepção individualista e preocupado, quase que exclusivamente, com as relações e litígios interpessoais, estando os interesses difusos e/ou coletivos afastados do alcance do Judiciário, os quais possuíam um caráter de insurgências políticas, cuja efetivação deveria advir da vontade do legislador ou administrador.

A norma aniversariante, originalmente, nasceu com objetivos restritos, limitando-se à tutela dos direitos ao meio ambiente, consumidor e patrimônio artístico, estético, histórico, paisagístico e turístico. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve uma ampliação dos direitos tutelados, tendo inovado na defesa dos direitos difusos e coletivos ao prever o princípio do acesso à justiça, estabelecendo que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, não fazendo distinção entre direitos individuais e coletivos.

A LACP instrumentalizou-se como um procedimento adequado à tutela dos direitos difusos e coletivos. Ela foi fruto do amadurecimento do processo civil brasileiro e, principalmente, do reconhecimento de que o CPC/73 já não atendia às demandas de uma sociedade em transformação — que abandonava seu perfil individualista para assumir contornos urbanos e coletivos.

Diante dessa nova configuração social do mundo contemporâneo, houve a necessidade de mecanismos céleres e eficazes para tutelar interesses de terceira geração, como a proteção do meio ambiente, a defesa do consumidor e a preservação do patrimônio imaterial do Estado, entre outros.

Tratava-se de conferir à sociedade meios processuais legítimos e idôneos para assegurar a implementação dos direitos. Nas palavras de Cândido Dinamarco, identificava-se, a partir de então, uma “função política” do processo, o qual poderia ser compreendido como um canal para a participação do indivíduo nos destinos da sociedade[1].

Para permitir a participação da sociedade para efetivar os direitos, ou ainda, reconhecê-los, a CF/88 positivou como função institucional do Ministério Publico a propositura de ação civil pública, não sendo o único legitimado para tanto. A Lei nº 7.347/85, por sua vez, indicou um rol exaustivo de legitimados, quais sejam: a) o próprio Ministério Público; b) a Defensoria Pública; c) Entidades da Administração Direta e Indireta; e d) Associações constituídas a pelo menos 01 (um) ano e que apresente pertinência temática, ou seja, que tenha em suas finalidades institucionais a defesa de um ou algum(s) do(s) bens tutelados pela ação civil pública.

A CF/88 não definiu, expressamente, quais seriam os direitos difusos e coletivos, deixando a cargo do Código de Defesa do Consumidor (art. 81) a conceituação destes, o qual dispõe que “são interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos desse código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato”.

São notórios os avanços e benefícios trazidos com a promulgação da norma que hoje completa 40 anos, consistindo em uma lei de natureza, predominantemente, processual, pois tem como finalidade oferecer os mecanismos e instrumentos processuais aptos à efetivação dos interesses coletivos latu sensu.

Em que pese a relevância da LACP, inegavelmente, existem situações em que ainda hoje é perceptível um certo nível de desconhecimento pelos atores processuais quanto às especificidades e circunstâncias acerca da ação civil pública e ações coletivas, no geral, resultando até mesmo na morosidade de suas tramitações.

A atuação do Judiciário direcionada em propiciar um ambiente de efetividade para tais instrumentos é essencial e estratégica. A título exemplificativo, oportuno observar que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul transformou a 16ªVara Cível da Comarca de Porto Alegre na Nova Vara Estadual de Ações Coletivas a partir do Ato nº 51/2025 – CGJ (Leia aqui: https://www.andrademaia.com.br/conteudos/porto-alegre-institui-vara-estadual-de-acoes-coletivas-para-julgar-demandas-de-consumo-e-direitos-difusos).

A ação civil pública permanece muito relevante na tutela dos conflitos coletivos contemporâneos, como demonstra sua aplicação aos chamados litígios estruturais. Embora tais conflitos exijam adaptações procedimentais — como a fase de diagnóstico, a valorização do consenso, o alargamento do contraditório e a adoção de decisões prospectivas —, eles também evidenciam a atemporalidade e a flexibilidade desse instrumento processual, reafirmando sua capacidade de lidar com as complexidades inerentes ao processo coletivo na atualidade.

A necessidade de atualização da norma acompanha o célere dinamismo dos fenômenos que ocorrem na sociedade, motivo pelo qual já tramitam projetos de lei propostos com o objetivo de contornarem os desafios existentes como a morosidade e formas de execução das decisões.

Os 40 anos da Lei da Ação Civil Pública, portanto, evidenciam a consolidação de um arcabouço jurídico voltado à proteção dos direitos coletivos e à ampliação do acesso à justiça. Apesar dos desafios que ainda persistem, essa legislação permanece essencial para fortalecer uma tutela coletiva efetiva, sintonizada com as complexidades da sociedade contemporânea e capaz de proporcionar soluções efetivas aos conflitos coletivos.


[1] A Instrumentalidade do Processo. p 379. 

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