A Lei da
Ação Civil Pública (LACP) foi introduzida no sistema jurídico brasileiro pela
Lei nº 7.347/85, completando nesta quinta-feira (24), quarenta anos de vigência
e constituindo-se como um dos principais instrumentos jurídicos para tratamento
das questões sociais, políticas e econômicas do ordenamento jurídico
contemporâneo.
O
processo brasileiro, durante muito tempo, prevaleceu com uma concepção
individualista e preocupado, quase que exclusivamente, com as relações e
litígios interpessoais, estando os interesses difusos e/ou coletivos afastados
do alcance do Judiciário, os quais possuíam um caráter de insurgências políticas,
cuja efetivação deveria advir da vontade do legislador ou administrador.
A norma
aniversariante, originalmente, nasceu com objetivos restritos, limitando-se à
tutela dos direitos ao meio ambiente, consumidor e patrimônio artístico,
estético, histórico, paisagístico e turístico. Com a promulgação da
Constituição Federal de 1988, houve uma ampliação dos direitos tutelados, tendo
inovado na defesa dos direitos difusos e coletivos ao prever o princípio do
acesso à justiça, estabelecendo que a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito, não fazendo distinção entre direitos
individuais e coletivos.
A LACP
instrumentalizou-se como um procedimento adequado à tutela dos direitos difusos
e coletivos. Ela foi fruto do amadurecimento do processo civil brasileiro e,
principalmente, do reconhecimento de que o CPC/73 já não atendia às demandas de
uma sociedade em transformação — que abandonava seu perfil individualista para
assumir contornos urbanos e coletivos.
Diante
dessa nova configuração social do mundo contemporâneo, houve a necessidade de
mecanismos céleres e eficazes para tutelar interesses de terceira geração, como
a proteção do meio ambiente, a defesa do consumidor e a preservação do
patrimônio imaterial do Estado, entre outros.
Tratava-se
de conferir à sociedade meios processuais legítimos e idôneos para assegurar a
implementação dos direitos. Nas palavras de Cândido Dinamarco, identificava-se,
a partir de então, uma “função política” do processo, o qual poderia ser
compreendido como um canal para a participação do indivíduo nos destinos da
sociedade[1].
Para
permitir a participação da sociedade para efetivar os direitos, ou ainda,
reconhecê-los, a CF/88 positivou como função institucional do Ministério
Publico a propositura de ação civil pública, não sendo o único legitimado para
tanto. A Lei nº 7.347/85, por sua vez, indicou um rol exaustivo de legitimados,
quais sejam: a) o próprio Ministério Público; b) a Defensoria Pública; c)
Entidades da Administração Direta e Indireta; e d) Associações constituídas a
pelo menos 01 (um) ano e que apresente pertinência temática, ou seja, que tenha
em suas finalidades institucionais a defesa de um ou algum(s) do(s) bens
tutelados pela ação civil pública.
A CF/88
não definiu, expressamente, quais seriam os direitos difusos e coletivos,
deixando a cargo do Código de Defesa do Consumidor (art. 81) a conceituação
destes, o qual dispõe que “são interesses ou direitos difusos, assim
entendidos, para efeitos desse código, os transindividuais, de natureza
indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstância de fato”.
São
notórios os avanços e benefícios trazidos com a promulgação da norma que hoje
completa 40 anos, consistindo em uma lei de natureza, predominantemente,
processual, pois tem como finalidade oferecer os mecanismos e instrumentos
processuais aptos à efetivação dos interesses coletivos latu sensu.
Em que
pese a relevância da LACP, inegavelmente, existem situações em que ainda hoje é
perceptível um certo nível de desconhecimento pelos atores processuais quanto
às especificidades e circunstâncias acerca da ação civil pública e ações
coletivas, no geral, resultando até mesmo na morosidade de suas tramitações.
A
atuação do Judiciário direcionada em propiciar um ambiente de efetividade para
tais instrumentos é essencial e estratégica. A título exemplificativo, oportuno
observar que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul transformou a 16ªVara
Cível da Comarca de Porto Alegre na Nova Vara Estadual de Ações Coletivas a
partir do Ato nº 51/2025 – CGJ (Leia aqui: https://www.andrademaia.com.br/conteudos/porto-alegre-institui-vara-estadual-de-acoes-coletivas-para-julgar-demandas-de-consumo-e-direitos-difusos).
A ação
civil pública permanece muito relevante na tutela dos conflitos coletivos
contemporâneos, como demonstra sua aplicação aos chamados litígios estruturais.
Embora tais conflitos exijam adaptações procedimentais — como a fase de
diagnóstico, a valorização do consenso, o alargamento do contraditório e a
adoção de decisões prospectivas —, eles também evidenciam a atemporalidade e a
flexibilidade desse instrumento processual, reafirmando sua capacidade de lidar
com as complexidades inerentes ao processo coletivo na atualidade.
A
necessidade de atualização da norma acompanha o célere dinamismo dos fenômenos
que ocorrem na sociedade, motivo pelo qual já tramitam projetos de lei
propostos com o objetivo de contornarem os desafios existentes como a
morosidade e formas de execução das decisões.
Os 40 anos da Lei da Ação Civil Pública, portanto, evidenciam a consolidação de um arcabouço jurídico voltado à proteção dos direitos coletivos e à ampliação do acesso à justiça. Apesar dos desafios que ainda persistem, essa legislação permanece essencial para fortalecer uma tutela coletiva efetiva, sintonizada com as complexidades da sociedade contemporânea e capaz de proporcionar soluções efetivas aos conflitos coletivos.
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